Escrito por Leonardo Pinheiro
Nos últimos anos, os avanços em inteligência artificial (IA) deram origem a uma tecnologia particularmente polêmica: os deepfakes. Trata-se de áudios, vídeos ou imagens hiper-realistas manipulados por IA para simular, com alto grau de fidelidade, pessoas reais dizendo ou fazendo algo que nunca ocorreu.
Embora esse recurso tenha aplicações legítimas, como na indústria do entretenimento, ele também vem sendo usado de forma maliciosa por cibercriminosos.
Segundo o relatório Deepfake Trends 2024 da Regula, 49% das empresas globalmente já enfrentaram incidentes de fraude envolvendo deepfakes em áudio ou vídeo. A crescente facilidade de acesso a ferramentas de IA generativa aumentou o risco de fraudes sofisticadas que podem comprometer a segurança de empresas e indivíduos.
Ainda de acordo com o relatório, as perdas médias para empresas atingidas por fraudes com deepfakes chegam a US$ 450 mil, o que demonstra o impacto financeiro dessas ameaças.
Neste texto, exploramos como os golpes com deepfake operam, os riscos envolvidos, as formas de detecção e prevenção e o papel fundamental da legislação na contenção dessas ameaças.
O que são deepfakes e por que representam risco?
Deepfakes são conteúdos sintéticos criados por inteligência artificial, geralmente com o uso de redes neurais generativas, como GANs (Generative Adversarial Networks). Esses conteúdos podem simular com precisão expressões faciais, movimentos corporais e vozes humanas, tornando difícil a identificação imediata de sua falsidade.
O grande risco dos deepfakes está em sua capacidade de enganar até mesmo profissionais treinados. Quando aplicados em golpes, essas simulações podem ser usadas para enganar sistemas de verificação de identidade, manipular informações públicas, ou até realizar fraudes financeiras e ataques à reputação.
A acessibilidade dessa tecnologia agrava o problema. Ferramentas de IA generativa estão cada vez mais populares, permitindo que até usuários com pouco conhecimento técnico criem conteúdos falsificados convincentes em poucos minutos.
Tipos de golpes cibernéticos que usam deepfake
Antes considerados casos isolados, os golpes com deepfake se tornaram parte do arsenal cotidiano de cibercriminosos. A seguir, listamos os tipos mais comuns.
Golpes de engenharia social com voz falsa
Criminosos utilizam áudios gerados por IA para simular a voz de executivos, líderes empresariais ou familiares das vítimas. Com isso, solicitam transferências bancárias, dados sigilosos ou acesso a sistemas corporativos. Esses áudios, muitas vezes enviados por telefone ou aplicativos de mensagem, soam convincentes o suficiente para enganar funcionários ou familiares.
Fraudes financeiras com identidade visual forjada
Além da voz, vídeos e imagens manipuladas são usados para burlar processos de verificação de identidade. Plataformas de onboarding digital, como bancos e fintechs, estão entre os principais alvos.
O criminoso se passa pela vítima com vídeos deepfake enviados em processos de abertura de contas ou empréstimos, explorando falhas nos sistemas automatizados de validação.
De acordo com o relatório da Sumsub, as fraudes com deepfake cresceram 700% em 2024. Isso revela um cenário especialmente preocupante para empresas que operam digitalmente.
Fake news e manipulação de imagem pública
Deepfakes também são usados para espalhar desinformação e afetar a reputação de pessoas públicas, como políticos, CEOs e influenciadores. Ao simular declarações falsas ou comportamentos impróprios, os criminosos conseguem criar crises de imagem, manipular o debate público ou influenciar eleições e decisões de mercado.
A velocidade com que esses vídeos são disseminados nas redes sociais agrava o impacto, dificultando o controle do dano mesmo após a descoberta da falsificação.
Como identificar conteúdos deepfake?
Apesar da sofisticação crescente dos deepfakes, ainda é possível identificar sinais que denunciem sua falsidade. A seguir, abordamos os principais indícios e ferramentas para essa identificação.
Sinais comuns em vídeos e áudios
Em vídeos, é comum observar inconsistências como:
- Piscar dos olhos em frequência anormal;
- Sincronização imperfeita entre áudio e movimento labial;
- Iluminação incoerente com o ambiente;
- Expressões faciais rígidas ou pouco naturais.
No caso de áudios, pode haver falta de entonação natural, pausas estranhas ou uso excessivo de palavras neutras. Muitas vezes, é o contexto da mensagem que levanta suspeitas — por exemplo, um pedido urgente e atípico vindo de uma fonte confiável.
Tecnologias e ferramentas de detecção disponíveis
Ferramentas como a Deepware Scanner, o Microsoft Video Authenticator e a Sensity AI utilizam algoritmos para detectar padrões artificiais em vídeos e áudios. Elas analisam os metadados, examinam o comportamento do rosto e identificam distorções invisíveis ao olho humano.
Para empresas, essas soluções devem ser integradas a sistemas de autenticação e verificação. Algumas já adotam IA para comparar vídeos enviados com registros prévios do cliente, ampliando a confiabilidade dos processos.
Estratégias de prevenção para empresas e indivíduos
Frente ao crescimento dessas ameaças, a proteção depende de um esforço conjunto que envolve tecnologia, capacitação e mudança de cultura organizacional.
Treinamento e conscientização de colaboradores
Simulações de ataques com IA, campanhas de phishing controlado e treinamentos constantes são fundamentais. Profissionais devem ser treinados para identificar sinais de manipulação e agir com cautela diante de solicitações fora do padrão, especialmente quando envolvem transferências financeiras ou decisões críticas.
Autenticação em múltiplos canais de comunicação
Diante da possibilidade de áudios e vídeos forjados, é fundamental que decisões sensíveis passem por validação em múltiplos canais. Ou seja, confirmações por telefone devem ser reforçadas com e-mails autenticados, mensagens internas ou reuniões presenciais.
A autenticação multifator também deve ser aplicada a sistemas internos e contas de alto privilégio.
Ferramentas e IA de combate a deepfakes
Empresas devem investir em soluções de cibersegurança que contemplem detecção de conteúdo sintético. Além de ferramentas específicas para deepfakes, soluções como SIEM (Security Information and Event Management) e EDR (Endpoint Detection and Response) ajudam a detectar comportamentos anômalos que podem indicar ataques em andamento.
A integração dessas tecnologias a um SOC (Security Operations Center) permite resposta rápida e minimiza danos em caso de incidentes.
O papel da legislação na proteção contra deepfakes
À medida que a IA se torna uma ferramenta de fraude, leis e regulamentações ganham ainda mais importância para coibir abusos e garantir responsabilização.
Cenário jurídico atual no Brasil e no mundo
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece responsabilidades para empresas que coletam, armazenam e processam dados pessoais. Se uma organização for vítima de um ataque de deepfake que envolva exposição de dados, pode ser responsabilizada por falhas na prevenção.
Já na União Europeia, o AI Act — aprovado em 2024 — é considerado o regulamento mais avançado sobre o uso de inteligência artificial. Ele classifica os sistemas de IA por risco e impõe exigências de transparência, segurança e auditoria para modelos generativos.
Conclusão
O uso de deepfakes em golpes cibernéticos representa um dos maiores desafios atuais na área de segurança digital. A capacidade dessas tecnologias de imitar com precisão a voz e imagem de pessoas reais amplia o potencial de fraude, manipulação e desinformação.
A prevenção exige uma abordagem ampla, que combine tecnologia, treinamento, políticas claras e atenção constante às tendências emergentes. Empresas e indivíduos precisam agir de forma proativa, incorporando práticas de segurança e adotando ferramentas que detectem conteúdos falsificados.
Mais do que identificar e mitigar os riscos, é necessário também construir um ecossistema digital ético e transparente. O combate às deepfakes começa com a conscientização — e se consolida com regulamentação, investimento em cibersegurança e responsabilidade compartilhada.






